Se o Coletivo Candiero acabasse hoje, ele já deixaria um legado inspirador para a música cristã brasileira. Como um fato histórico, a iniciativa busca reunir artistas nordestinos em torno da produção e divulgação da verdade do Evangelho a partir da sua realidade cultural. A proposta vem para romper a lógica comercial da indústria gospel, e mais, nos reconectar com uma arte que gera empatia aos ouvintes, pois se manifesta da fé que está na vida.

Combatendo preconceitos, esteriótipos e seja lá os demais rótulos, os artistas do Coletivo Candiero chegam para Ecoar a voz e o canto da regionalidade, com sotaque e sem vergonhas de ser chamado como filho de TiaLica. De Alma Nua, cruzam as fronteiras e usam da grande rede para semear Canções Peregrinas, pra dar prumo aos caminhos tortos que a música evangélica tem andado e mostrar que há vida e arte após o Gospel.

Com um orgulho arretado, entrevistamos Marco Telles, representante do Coletivo, para contar um pouco da trajetória dessa empreitada que, certamente, transformará nosso cenário.

Apenas Música: “Apoiar e propagar o que há de bom no cancioneiro cristão nordestino”, assim vocês definem a proposta do Coletivo Candiero. Como é ser músico no nordeste brasileiro?

Coletivo Candiero: Ser músico no Nordeste Brasileiro, em alguma medida, é semelhante a ser músico em qualquer lugar do mundo. Existem dificuldades que são comuns a todos os artistas de todas as regiões geográficas. Deve-se vencer a barreira do medo de não ter com o que sustentar sua família, deve-se transpor o limite físico e disciplinar-se a estudar, ler, treinar, suar. Deve-se ignorar a voz da maioria, os desinformados, que insistem em tentar nos convencer a fazermos “algo de útil” com a nossa vida. Esse tipo de situação é o pão de cada dia da mesa dos artistas em qualquer lugar do mundo. Contudo, cada lugar irá oferecer, além de questões gerais como essas, peculiaridades próprias de seu ambiente. Por exemplo, ser artista, especialmente músico, de procedência cristã, no nordeste é ter de enfrentar a apatia do próprio nordeste quanto ao seu conteúdo produzido. Apesar de na música popular brasileira termos ciência do enorme apreço que todo brasileiro possui pelo cancioneiro nordestino, no que se refere à música cristã, isso não ocorre. Nem os compositores e cantores daqui parecem (em termos gerais, obviamente) valorizam as peculiaridades estéticas da música nordestina, nem os cristãos de forma geral possuem sequer o desejo de apoiar a música local. Parece que há uma configuração já posta, na qual o que se deve consumir de música cristã é o que o circuito gospel (que está fechado e interessado exclusivamente com os artistas do sudeste e do centro-oeste) propõe à igreja brasileira. De forma que, se você quiser ser um músico cristão nordestino com alguma repercussão, ou se quiser ser ouvido por seus conterrâneos, parece que a única saída é o pau de arara, ou seja, mudar-se para a tal da “região do circuito gospel”. Se eles te “consagrarem”, então haverá alguma chance de ser reconhecido um dia por sua própria região.

AM: Em entrevista para a Revista Ultimato, o Candiero foi colocado como um “Um coletivo de artistas do Nordeste, para o Nordeste e sobre o Nordeste”. A proposta é voltar-se para o consumo local ou ser uma vitrine do que se é produzido no Nordeste para o restante do país? Ou ambos? Caso sim, como o coletivo se estrutura para isso?

Candiero: Pensando nessa dificuldade de o músico cristão nordestino ter de sair do seu local para poder, depois de uma possível consagração no sudeste, ser reconhecido e ouvido por seus conterrâneos, o Coletivo Candiero surge. A princípio entendemos que o primeiro efeito dessa coletividade tem sido o de potencializar os artistas daqui, além de trabalhar em suas motivações. Fazendo-os compreender que o nordeste é um excelente lugar para se desenvolver sua arte. Muitos de nossos cantores, inclusive os de igreja local, costumam cantar com sotaque do sudeste apesar de falar com sotaque nordestino. O Candiero vem dizer aos cantores nordestinos: cantem com o sotaque de vocês. Cantem para o nosso próprio povo! Amem o nordeste e tenham orgulho de serem nordestinos. Esse é, sem sombra de dúvidas, um dos efeitos imediatos causados pelo Candiero na vida dos artistas desse coletivo. Em segundo lugar, entendemos que esse tipo de postura faz com que as próprias pessoas que seguem esses artistas e que estão conhecendo o Candiero também assumam uma postura de aceitação de sua própria cultura, investindo nos artistas do nordeste, levando-os para os seus eventos, indicando-os nas redes sociais. E, um terceiro efeito que já começa a surgir, o qual não tivemos a pretensão de sequer desejar, é que as demais partes do brasil começam a perceber, por meio das movimentações de redes sociais, que existe um movimento de música cristã nordestina e começam a consumir e apoiar igualmente. Ou seja, miramos no nordeste em primeiro momento e estamos aos poucos recebendo como bônus o apoio de gente de tantas outras regiões. Hoje, o Coletivo Candiero se utiliza exclusivamente de meios orgânicos para o impulsionamento de seus artistas: WhatsApp, Instagran, Twitter, Facebook… sem nunca comprar seguidores ou visualizações, tudo o que temos recebido de números é conquistado de forma natural nas redes.

AM: Além do sotaque, grande parte dos membros do coletivo traz em sua sonoridade muitos elementos da cultura nordestina. Muitas (senão todas) de origem “secular”, sem uma expressividade produzida no meio evangélico. Como o coletivo olha para trás na trajetória da música nordestina entre esses dois universos?

Candiero: O Coletivo Candiero procura não fazer distinções dentro da arte no que se refere, por exemplo, à famosa dicotomia medieval “secular X sagrado”. Acreditamos que a arte deve ser definida em outros termos, por exemplo, “arte boa” e “arte ruim”. O que cada artista produz deve ser, e obviamente é, resultado de sua própria experiência de vida no mundo de Deus. Tudo o que ouviu até ali, tudo o que leu, tudo o que doeu e tudo o que fez rir. A soma de tudo isso vai gerar um estrato único: a arte. Quando olhamos para o que o nordeste contribui até hoje dentro da cultura brasileira, nos enchemos de orgulho e coragem. Em todos os setores da arte, seja na literatura de Dos Anjos e Suassuna, ou na música de Dominguinhos e Jackson do Pandeiro, o nordeste tem um verdadeiro panteão de precedentes artísticos de fazer cair o queixo dos admiradores da boa arte. Procuramos ter consciência dessa história, honrar a mesma e entender a responsabilidade que temos de dar continuidade a este carretel harmônico.

AM: Há muitas décadas se discute a relação da igreja com a arte e, assim como em muitos outros locais, a cultura local praticamente não é vista nos púlpitos das igrejas. Como o coletivo vê esse tema e como tem sido a recepção delas ao que é produzido por vocês?

Candiero: Boa parte da percepção teórica sobre essas questões dentro do Coletivo Candiero hoje é pautada pelo livro “Vida Após o Gospel” que lancei em 2019 pela Box 95 e acabou sendo o pontapé definitivo para a oficialização do Candiero. Especificamente em dois capítulos do livro esse assunto brota na pauta e, obviamente, não trago nenhuma nova percepção, apenas procuro aplicar posturas de outros autores, que considero minhas balizas, à realidade de nossa igreja local brasileira. Entendemos que o Evangelho deve ser conservado intacto mesmo no meio de todo esse processo frenético de transformação cultural que vivemos ao longo dos séculos. Entendemos, contudo, que cada cultura e cada povo tem essa chance única de expressar a verdade suprema e imutável do Evangelho, em sua própria cor e som. Abdicar dessa oportunidade é trágico. Temo que, por vezes, a luta por uma igreja mais cultural, que dialoga com sua sociedade e valoriza os elementos de sua cultura, acabe por nos fazer perder de vista a natureza sagrada do Evangelho e terminemos por diluir isso no caldeirão de nossas preferências. Temo, por outro lado, que o espírito conservador dos bons costumes, que visa manter intacto o Evangelho, nos faça perder a oportunidade de sermos relevantes ao homem do nosso tempo, acabando com que deixemos de falar, na língua do nosso tempo, a verdade do evangelho. O equilíbrio desses dois extremos é o que temos perseguido enquanto Coletivo Candiero. As igrejas por onde nossos artistas tem passado, sejam sozinhos ou em coletividade, estão dando testemunho de ambas as coisas: trata-se de artistas conscientes de sua cultura e lugar na história, mas trata-se também de artistas preocupados com a boa teologia cristã.

AM: Recentemente, em suas redes sociais, você fez uma profunda crítica sobre a hegemonia do mercado nacional no eixo sudeste e o “poder de legitimação” que ele tem sobre o “sucesso” de um artista cristão. E, segundo um “amigo famoso de São Paulo”, essa visibilidade não acontece porque os músicos nordestinos “fazem mal a arte”. O preconceito e o desconhecimento é de longa data, mas, para você, qual é o principal dificultador para o reconhecimento da música cristã nordestina?

Candiero: Na minha opinião, o maior dificultador somos nós mesmos. De alguma forma os nossos artistas nordestinos se deixaram convencer de que música boa pro culto é a música do sudeste. Artista bom é o que veste casaco de frio na capa do CD, cabelo bom é o liso do sudeste. Arte boa é a viralizada pelas grandes gravadoras. Se a gente parar de acreditar nisso e começarmos nós mesmos a valorizarmos as roupinhas tropicais de alça e estampas coloridas do nordeste, o cabelo crespo nordestino, a zabumba e o triângulo, a poesia e a arte do nosso próprio jeito e povo, então, não teremos mais um problema tão grande assim. O Candiero diz isso aos seus artistas: sejam nordestinos e tenham orgulho disso. Tem funcionado. Isso não significa que nossas músicas serão sempre estereotipadas com o chapéu de couro do sertanejo. De forma nenhuma. Não ignoramos a globalização e seus efeitos inclusive na música. Haverá bandas e artistas bem mais comprometidos com a estética musical nordestina (como a Calmará ou o Julhin de Tia Lica), haverá artistas que irão misturar graciosamente alguns elementos do nordeste com outras influências musicais (como Ana Heloysa e Hipona) e haverá artistas de som gringo, ou brasileiro de outras praias como o meu próprio som (Marco Telles) ou o do João Manô ou o do Northon Pinheiro. A questão é que aceitemos a nossa própria identidade nordestina e deixemos de lado essa necessidade de apagar os rastros da nordestinidade em nossa arte. O preconceito vai existir sim, mas a gente não pode ser pautado por ele. Nem amedrontado buscando parecer mais com um artista do sudeste a fim dermos aceitos finalmente, nem podemos nos deixar também sermos entristecidos por ele, fazendo com que nosso discurso soe agressivo ou ácido. Existe uma medida de moderação entre as duas coisas e é nessa linha tênue que o Candiero procura morar.

AM: Nesta mesma publicação você cita uma fala do Marcos Almeida que o disse que “O Nordeste é o futuro!”. O que você sentiu ao ouvir isso? O que carrega essa fala de tom “profético”?

Candiero: O Almeida tem sido um grande incentivador de tudo isso. Ele chegou até nós do Candiero por meio do livro “Vida Após o Gospel” e não tem medido esforços para nos apoiar. A frase “O Nordeste é o futuro” nos causa uma energia impressionante. Motiva-nos a continuar nessa jornada artística. Não acho que seja uma frase profética (veremos quando o futuro chegar, se é que ele existe – risos), mas encaro como um combustível para a construção de uma cena linda.

AM: Ainda sobre mercado, há algum interesse de aproximação do Coletivo com grandes players da música como, por exemplo, a Sony?

Candiero: Não temos nenhum repúdio pelos grandes selos. Porém, também não teremos condições de grandes parcerias com eles, pois o Coletivo Candiero está se transformando em um selo dele mesmo. Dessa forma, nossos artistas terão um vínculo contratual com o Candiero. É uma forma institucional de continuar apoiando essa cena. Enquanto selo de representação fonográfica, o Candiero pretende construir uma política de funcionamento consideravelmente diferente, sobretudo com o artista contratado. Os detalhes de tudo isso ainda não podem ser discutidos publicamente até que fechemos o nosso estatuto.

AM: Sem dúvida, a internet é um grande aliado para a divulgação de muitos artistas independentes. E, pelo visto, ela é a principal ferramenta de disseminação do Coletivo, confere? Como vocês têm se articulado no meio digital?

Candiero: Confere sim! Sem os meios midiáticos jamais conseguiríamos estabelecer tão facilmente uma cena como esta do Candiero. Hoje temos uma conta no Instagram e um grupo de WhatsApp chamado de “Candiero Orgânico”. Todos os artistas participam desse grupo bem como um ajuntado de apoiadores de vários lugares do Brasil. O grupo soma mais de 200 pessoas que nos apoiam em todas as nossas publicações, sejam do perfil do Candiero no Instagram ou nos perfis dos próprios artistas. Além disso, abrimos um canal no YouTube no qual temos alguns programas de bate papo como o “Gambiarra” que sempre será apresentado por um, dois ou três artistas diferentes do nosso catálogo e existe para contar as novidades de nosso Candiero, bem como discutir questões relevantes para nós. Também temos o programa “Na Gibeira” no qual nos juntamos sob a apresentação de Antognoni Misael, para homenagear artistas que nos servem de inspiração. Ainda em 2020 iremos abrir o Twitter e o Facebook do Candiero para ficarmos ainda mais ativos nas redes sociais.

AM: Infelizmente não estivemos na Conferência Candiero em 2019, mas conta um pouco pra gente como foi a experiência e a importância desse evento para o cenário?

Candiero: A Conferência Candiero em Natal foi muito significativa, primeiro para nós mesmos do Candiero. A maior parte de nós não se conhecia pessoalmente, porque somos artistas de várias regiões diferentes do Nordeste (Paraíba, Rio Grande do Norte, Teresina, Bahia, Fortaleza e Pernambuco). Os três dias em Natal foi o momento de abraçar pela primeira vez aquele parceiro de coletivo que só conhecíamos via WhatsApp. Além disso, foi importante para reforçamos a ideia de que temos algo de muito valoroso, dado pelo Deus, entre nós. Foram mais de 50 músicas executadas, todas autorais, todas nordestinas. O povo não teve dificuldade alguma para acompanhar e mais, saiu de lá com o coração cheio de amor por nossa cena. Além da música em si, a conferência foi relevante por ter trazido temas relevantes em sua mesa redonda e suas pregações. A ideia é rodar as capitais do nordeste com essa conferência e a próxima já tem local e data: Recife será o palco e os dias serão 5, 6 e 7 de março de 2020! Acompanhem o perfil do Coletivo Candiero para mais informações!

Parte dos integrantes do Coletivo na Conferência Candiero em 2019.

AM: O que podemos esperar do coletivo para 2020? Álbum, documentário e uma nova conferência?

Candiero: Podem esperar muita coisa bacana. Estamos nos organizando para lançarmos pelo menos um álbum por mês até julho, teremos a nova edição da Conferência em Recife, muitos vídeos legais no YouTube e a maior novidade de todas: Teremos um álbum do Coletivo Candiero! Composto, executado, gravado e dirigido pelos artistas do Candiero em coletividade. Não será uma coletânea com uma música de cada um. Será um álbum inteiro de todo mundo junto e misturado. O nosso desejo é que esse disco saia junto com um filme do Coletivo Candiero. Que Deus nos ajude!

AM: Para finalizar, aos artistas cristãos que leem esta entrevista, como fazer parte do Coletivo?

Candiero: Estamos abertos para conhecermos artistas de todo o nordeste e apoiá-los de alguma maneira. Contudo, certamente não poderemos dar o mesmo apoio para todos. De qualquer forma, entre em contato conosco pelo Whatts App do Coletivo Candiero e envie o seu material: 83 98804 10 13.

Quem faz parte do Coletivo Candiero?

  1. Marco Telles | @marcotellesbt
  2. João Manô | @eujoaomano
  3. Northon Pinheiro | @northonpinheiro
  4. Ana Heloysa | @heloysaana
  5. Calmará | @calmaraoficial
  6. Eli Abraham | @eliabrahaml
  7. Julhin de TiaLica | @julhindetialica
  8. Jotta Carlos Jr. | @jottacarlosjr
  9. Hipona | @hipona_
  10. Reino | @bandareinopb
  11. Juliana Tavares | @julianaemarinatavares
  12. Ramon Souza | @oramon_souza
  13. Antognoni Misael | @misaelantognoni

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