Em uma ebulição musical, há 25 anos, a banda Fruto Sagrado lançava o disco O que a gente faz fala muito mais do que só falar, pela Gospel Records. Provocadores desde o título, a banda liderada por Marcão fez do disco um laboratório musical com influência de vários estilos do rock (do progressivo ao heavy). Considerado um dos grandes álbuns da sua década e produzido pela própria banda (até a capa foi feita pelos próprios integrantes), a inventividade do grupo aqui é uma referência de não se limitar em fórmulas comerciais, nem se deixar moldar ao gospel. Apesar de um clássico hoje, o disco não teve tanta receptividade do público em vendas por sua linguagem “de músico pra músico”.

O disco inicia de forma até então atípica com uma faixa de introdução longíssima: 55221. Nada menos que 4 guitarras se reversam no instrumental de mais de seis minutos, destacando aqui a chegada de Bene Maldonado ao grupo.

Trazendo uma fé aplicada na vida, a Fruto Sagrado traz a crítica social em suas composições de forma ainda mais intensa além dos ataques à própria igreja (vale a pena lembrar que estamos falando dos anos 90 e o crescimento significativo dos evangélicos no país). Em Retórica, perguntam: De que adiantam frases bonitas, soltas ao vento? De que adianta esse discurso decorado? Às vezes tanta retórica se torna algo tão hipócrita. Crer e não fazer não faz nenhum sentido, não!

Contextualizada com o seu tempo e atento ao que o mundo ao seu redor (algo que faz muita falta nos dias de hoje), a banda traz o vírus da AIDS como tema de Bomba Relógio, atacando o preconceito existente contra os portadores da doença:

“Pior que o HIV é a desumanidade
Coexistindo como algo normal.
Aos olhos do Pai somos todos iguais,
Ele não olha o vírus, Ele olha o nosso coração!”

Seguindo o disco, chegamos em A Missão, uma faixa em homenagem à André Fernandes, membro da JOCUM Brasil atuante no Rio de Janeiro. Dedicada à todos os missionários, a faixa critica e provoca os cristãos a ação do Evangelho de uma maneira holística, manifestando uma fé que salva e transforma a realidade daqueles que são impactados.

Quem conhece a trajetória, sabe que os relacionamentos afetivos são tema de algumas canções da discografia da banda. Neste álbum, Presente e Nosso Erro cumprem esse papel. Internal War (versão em inglês de Guerra Interior, do disco de estreia) e The First Stone são raras faixas gringas da Fruto e, muito provavelmente, reflexo das influências externas que a banda consumia no período. Heaven or Hell? apenas leva o título em inglês, mas segue com a lírica nacional e bem aplicada à juventude secularizada por trazer o existencialismo e o discurso científico a respeito do propósito da vida para discussão. Mesmo com sua contextualização, a mensagem é muito direta e cirúrgica na realidade pecaminosa humana e ainda traz uma suave referência à Carmina Burana: O Fortuna, de Carl Off, em um trecho da faixa:

“A real é radical, não existem relativos.
Não existe purgatório, não existe reencarnação!
Depois que a gente fecha os olhos
E vai dormir no “Jardim da Saudade”, não existem mais provas de recuperação”.

Assim como o amor, a música também costuma ter espaço na produção da banda. Aqui, Música cumpre esse papel, exaltando o papel e o prazer que ela dá para a vida: Envolve vários estilos, várias praias e tribos. Com o carisma de encantar, cativas os corações!

Chegando na faixa mais famosa do disco, Podridown manifesta o teor político do grupo com frases de efeito dizendo que: A grande maioria (quase todos eles!) são marionetes do diabo! / Amorais inescrupulosos viciados pelo poder! A infelicidade de saber que isso ainda é uma realidade, ainda mais nos dias atuais, nos convida usá-la como voz profética.

Outra faixa de destaque é Amor de Deus. Sendo uma balada-testemunho, a faixa assume uma narrativa confessional falando da experiência de conversão. Mais uma vez alinhada com seu tempo, ela vem trazendo as provocações da fé como “papo careta de religião” ou os preconceitos existentes sobre o ser cristão.

Além de ser um clássico, O que a gente faz fala muito mais do que só falar é uma demonstração de como se fazer um disco criativo, cheio de referências artísticas, biblicamente coerente e contextualizado com o momento de sua cultura. Ou seja, uma verdadeira aula para quem quer fazer um rock consistente e relevante.

Ficha Técnica

Participações Especiais: Bene (Maldon), Paulo de Barcellos, Wagner (Juninho) e Alexandre Daumerie.

Arranjos e Produção: Fruto Sagrado

Gravação e Mixagem: Master Music (RJ), entre maio e agosto de 1995, por Ronaldo Herdy e Fruto Sagrado.

Masterização: Cia. dos Técnicos (RJ)

Capa: criação – Fruto Sagrado / Montagem – Marco Antonio e Flávio Amorim / Arte final – Bênlio Bussinguer / Fotos – Sérgio Boi, Aldridge Neto e Bênlio Bussinguer.