Quando comecei a me interessar por música latina me deparei com o trabalho do Gawvi. A primeira faixa que eu ouvi foi Cumbia, presente no álbum We Belong (2017). Na época eu achei a música e o clipe fantásticos. Não imaginava que no meio cristão havia algo naquele nível, contudo, confesso que inicialmente tinha dúvida se esse cara realmente era cristão. Sabia que em mim ainda existiam vestígios de um pré-conceito religioso de achar que a santidade tinha apenas uma estética artística. Dessa época por diante, resolvi seguir o trabalho dele e pesquisar mais sobre sua trajetória e proposta. Esta publicação, por exemplo, já deveria ter saído há muito tempo. Mas eis aqui minhas palavras.

Do Bronx (Nova York) de 1988, Gabriel Alberto Azucena, filho de pais de El Salvador e República Dominicana, chegava para marcar a música cristã. Sua carreira artística começou em 2008, produzindo para nomes como Lecrae e Trip Lee (ambos ainda grandes parceiros). Com este último, por exemplo, chegou a ganhar um Dove Awards pela produção do disco Anomaly. Em 2016, chegou o momento dele produzir seu próprio trabalho pela Reach Records.

O EP Lost in Hue (2016) já mostrava que era um artista diferenciado. Gawvi tinha sua base no Hip Hop, mas se envolvia com o universo Pop e Eletrônico. Quem o ouve em 2020 pode até achar que são artistas diferentes, faz sentido, contudo, prefiro ver como experimentos de uma mente criativa.

Falar de identidade musical no caso do Gawvi é algo meio complicado devido a essa diversidade de expressões. Quem acha a categorização necessária, rotulam como Urban Music, pois acaba permitindo, de alguma forma, esse trânsito por vários estilos. Particularmente acho o título condizente com o que ele faz, mas acho que esse esforço é pouco relevante.

Ainda em 2016 ele traz Holding Hue, outro EP que segue a mesma proposta musical. Produzir muito e envolvendo muita gente é uma característica do Gawvi. Basta olhar a quantidade de singles lançados por ele, trazendo nomes conhecidos e outros nem tanto, mas todos de alta qualidade. No ano seguinte temos God Speed com KB e Andy Mineo, e a viciante Diamonds com Jannine Weigel. Algumas dessas faixas fariam parte de We Belong, o primeiro disco completo dele em 2017.

Gawvi – We Belong (2017)

Ouvir We Belong é uma experiência, no mínimo, interessante. A sensação para mim é de estar escutando vários discos em um. Tem um pouco de tudo: Hip Hop, Reggaeton e muito Pop. Feel It, por exemplo, é completamente uma faixa de balada e soa muito exótico para o que o artista faz hoje.

Gawvi – Panorama (2018)

Um ano depois chegamos em Panorama (2018), onde o Hip Hop fala mais alto e o som deixa de lado a “explosão de alegria” do antecessor. Basta ouvir a faixa título, que abre o disco, para perceber que estamos em outra fase. Em seguida é só porrada atrás de porrada: Slingshot, GNO e Fight For Me (feat. Lecrae) dão um tom mais dramático. Por exemplo, With You aborda a luta do artista contra a depressão e Slingshot convida o ouvinte a se lembrar que, em Cristo, seu passado não o define mais. No entanto, o sangue da família também se faz presente aqui em faixas como Dulce (uma das minhas preferidas e com letras mais lindas) e Trapchata. Em linhas gerais, Panorama é muito mais equilibrado e sofisticado. É como se ele, em um passo de maturidade musical, lapidasse suas referências para dizer: esse sou eu.

Vídeo de divulgação do álbum Panorama (2018)
Capa do disco Heathen, lançado em 2020.

Chegando no mais recente trabalho, dois anos depois, Heathen (2020) segue os passos do anterior. A faixa que abre o disco traz piano e vozes infantis, lançando um tom mais reflexivo para a obra. Falando sobre isso, há um traço do Gawvi muito importante a ser dito: seu compromisso com o Evangelho.

Eu posso ter pecado, mas o diabo quer que eu pense que não venceremos“.

Nesse último lançamento, por exemplo, a proposta é provocar por uma mudança da cultura cristã na intenção de desconstruir normas culturais não saudáveis. O título por si só já chama atenção, Heathen é uma resposta por o terem rotulado como “pagão” pelos próprios cristãos. Gawvi fala sobre isso dizendo que foi chamado assim “não porque sou um pecador ou uma pessoa má, mas porque fui contra o ‘molde da cultura cristã’”.

“Heathen realmente significa Ethnos em grego, que significa etnia e também significa gentios. Quando é usado na Bíblia, é descrito como uma pessoa que não era judia ou alguém com uma formação cultural diferente. Então, fiquei pensando: como essa palavra se perdeu na tradução? E eu percebi, é isso que acontece conosco como seres humanos. No começo, Deus nos projetou para ser quem devemos ser, mas deixamos que os rótulos nos influenciem e moldem nossa identidade. Então, eu quero abraçar a palavra ‘pagão’, e fazer algo diferente com a cultura cristã, algo que informe às pessoas que não há problema em viver fora da norma religiosa. Quando alguém me diz ‘o que você está fazendo não é normal’, minha resposta é ‘obrigado’.”

Inspirada nas cartas do apóstolo Paulo, a crítica tem visto Heathen como uma “coleção de 17 músicas que leva os ouvintes cristãos a examinarem como os padrões de aceitabilidade podem estar limitando as novas vozes de comunicar a graça de Deus a um mundo que precisa de um lar.”, diz Iain Moss, do Jesus Wired.

Gawvi lançou um documentário para contar um pouco da proposta do disco Heathen (2020).

Enfim, falar de Gawvi é falar de um artista em seu processo de autodescoberta, onde seus passos criativos perpassam por estilos musicais distintos, amadurecendo obra e criador numa relação dialógica.

Sobre o Autor

Modernizar o passado é uma evolução musical.

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