Nesses dias eu estava ouvindo algumas coisas do Kivitz pelo Youtube e, no modo de reprodução automática, a plataforma me levou para um vídeo do rapper com o grupo Preto No Branco. Sobre eles eu já tinha ouvido falar, mas nunca havia despertado o interesse em conhecer com mais detalhes.

Bastaram os primeiros segundos da faixa “Se Organize” para ir atrás dos caras. Vi um repertório bastante variado em estilos e pegadas, denotando como eles são versáteis e contextualizados com a cultura e a produção musical atual. A faixa destacada mostra muito bem isso.

Na pesquisa, vi uma entrevista dada pelo grupo ao portal Guiame.com.br e resolvi trazer alguns trechos que julgo emblemáticos. Clóvis Pinho, voz e mente por trás da canção, falou que a faixa se enquadra no chamado “Trap Baiano”, uma variação do Hip Hop e do Rap. Veja o que ele disse:

“A gente transformou com informações do Axé, que é algo muito comum da nossa identidade na Bahia. Eu cresci na Bahia e o baterista, Michel, também (…) Na questão da música “Se Organize”, especificamente, a gente tentou trazer informações do Axé Music com o Trap, porque o nosso som não combina com o Axé puro, aquele axé mais comercializado, mais radiofônico. Quando a gente percebeu isso, começou a pesquisar uma forma de juntar o nosso som com um ritmo mais baiano e a gente encontrou o Trap, estudando algumas novidades, dentro da própria música baiana, dentro do mercado da Bahia atual, em bandas como BaianaSystem e ÀTTØØXXÁ. Elas são referências dessa mistura que a gente fez.”

Que outros cantores/bandas inserem sua base cultural na sua música? Que outros citam grupos “seculares” como referências para suas criações? Claro que há nomes, mas infelizmente, ainda é mínimo. Dentro da já tão falada “importação” cultural e musical que vivemos, do Hillsong e do movimento hipster, ver uma banda que olha para dentro do país e para o lado da sua realidade é de encher o coração de alegria. Afinal, acredito que não devemos desassociar nossa cultura para nos inserirmos dentro de uma lógica religiosa e homogênea que reproduzir padrões considerados “santos”. Sim, na mente de muitos cristãos, isso pode soar como “mundanização”, não ser a diferença e etc etc etc. Mas não foi para isso que fomos chamados? Para o ministério da reconciliação que o apóstolo Paulo nos orienta? Não é redimir a cultura de acordo com os valores divinos? Assim, ter o Trap Baiano como base musical, ter Baiana e ÀTTØØXXÁ como referência é algo que nos contextualiza, nos faz mais próximo do povo e cria uma ligação, um diálogo com eles. E não uma iniciativa deliberada para dar vazão a “desejos pecaminosos”.

Na letra de “Se Organize” ainda há dois versos que demonstram essa iniciativa da Preto no Branco em se conectar com a realidade. Ouvidos mais atentos devem ter percebido a referência à Chico Science e Nação Zumbi, assim como à Criolo. Ao cantar “É me organizando que eu posso desorganizar o que for”, a banda resgata o canto do malungo no hino “Da Lama Ao Caos” que diz: “Que eu me organizando posso desorganizar / Que eu desorganizando posso me organizar”. Além disso, “Quem foi que disse que tem que morrer para ver Deus?”, diz Clóvis Pinheiro em menção ao clássico “Não Existe Amor em SP“, onde Criolo diz que “Não precisa morrer pra ver Deus / Não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você”.

Além do som e das referências artísticas, a faixa também demonstra a preocupação social da banda, mostrando que a fé exige uma prática, como vemos nos escritos de Tiago. Sobre isso, recorto um trecho da opinião do vocalista:

A gente vem de uma história bem difícil com relação a se organizar, politicamente, ideologicamente, como civilização em muitas questões. A favela mal assistida, hospitais mal estruturados… a gente percebe uma desorganização generalizada muitas vezes na história do nosso país. Então, eu acredito que essa música, além de um convite pessoal, individual, para cada um, também é um chamado, um convite para a nação brasileira se organizar mesmo, como diz a própria canção popular brasileira: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Essa é uma forma de se organizar e mais do que isso, desorganizar os sistemas opressores, aquilo que está à nossa volta, que vira um costume midiático, que vira uma influência para o mal, que torna as pessoas robotizadas. Tudo aquilo que tira a sua origem orgânica e faz com que a gente perca a nossa essência como pessoa que pode se organizar a partir do seu próprio pensamento, seu próprio conceito e estilo de vida. Se organize!

Como diz o velho meme da internet, pelo conjunto da obra, “Se Organize” não merece palmas, merece o Tocantins inteiro!