Estamos vivendo em dias hostis. Do noticiário às redes sociais é aquela velha troca de farpas e intolerância. Confesso que essa rotina tem me cansado. Cada vez menos vejo TV, cada vez menos passo tempo no Facebook. E isso tem me feito bem.

É como se a mente estivesse sobrecarregada de tanto pessimismo e injustiça. Como se o contexto quisesse minar as forças, puxando para baixo, para uma confortável inércia. Mas, mesmo com cenários tenebrosos, ainda é possível sentir a brisa da esperança bater no rosto. Neste caso, ela entrando nos ouvidos em forma de música.

No final de novembro, no dia do seu aniversário, Rico Ayade (de quem falamos bastante AQUI e AQUI) lançou o single Pro Teu Bem como presente ao público. Não consegui ouvir no dia, mas na semana passada dei o play e mais uma vez fiquei maravilhado com o que ouvi.

Com um violão tímido e vozes cantando O seun, Olorun mi (“Obrigado, meu Deus” em Iorubá), Rico segue a simplicidade de seu último disco Atravesso e canta sobre as feridas provocadas pela vida. Mesmo diante das cicatrizes deixadas pelo sofrimento em nosso corpo e na nossa alma, o baiano convida o ouvinte a enxergar a realidade com um olhar positivo, por isso dispara, logo no início: “Abra os olhos, veja bem”.

Os versos continuam falando sobre uma mudança de perspectiva. Falar que “Tudo foi pro teu bem” não é uma ilusão ou um otimismo ingênuo. Na verdade, é dar um passo além, é perceber  o não imediato, o horizonte. É demonstrar a consciência que, de alguma forma, todas as coisas cooperam para o nosso bem.

Tudo o que fazemos ou o que nos acontece tem um propósito que nem sempre nossa mente limitada compreende. Como crianças que ainda não entendem a complexidade da vida, somos nós diante dos dilemas do presente e dos mistérios do futuro. “Todo passo, todo não”, em tudo há motivo de existir, afinal, até nossos erros são ensinamentos. Bem provável que essas palavras sejam senso comum, mas nem sempre elas são vivências concretas.

Ao dizer que “Tudo agora é canção” é uma evolução, um símbolo que sinaliza uma serena maturidade de quem tem o controle da situação, por mais difícil que ela seja. Isso é traduzido em gratidão, na certeza que é na caminhada que nos fazemos, de que o presente é um presente na qual precisamos abrir e nos surpreender diariamente.

Entender o presente como um presente é um desafio para quem vive sufocado pela rotina. Paulo Nazareth, parceiro musical de Ayade, certa vez cantou enquanto Crombie, a necessidade de revermos nossa rotina:

A rotina não me convenceu

Diz que é sempre tudo a mesma coisa

Mas eu não fechei meus olhos

Pro novo de todo dia

Por isso, agradecer pelos problemas e  pelos desafios não é algo simples. É sinônimo de gente crescida, de uma evolução psicoemocional e espiritual capaz de transformar a dor em amor. Ou melhor, é entender que até a dor, por ser uma expressão do amor, pode nos fortalecer na fraqueza.

Por fim, Rico termina sua canção mostrando que essa gratidão é universal. Em todas as línguas e culturas, corações gratos tornam as pessoas melhores e promotores de paz.

E é com gratidão que encerro este texto, com o refrigério que essa simples e complexa canção me traz.