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De quantas formas é possível que Deus nos encontre no caminho? De quantas maneiras Ele se “disfarça”? Por quanto tempo podemos caminhar com Ele ouvir seus sussurros e permanecer imunes? Somos iguais aos moços a caminho de Emaús sentindo-O, caminhando com Ele sem reconhecê-lo?

Uma coisa é certa: Deus é muito criativo e se revela nas coisas mais inesperadas. Inclusive as músicas da Lorena Chaves.

Vocês já notaram que a Lorena não cita o nome de Deus nas canções? Uma tradição tipo o livro de Ester, ou uma proposta tipo “Onde está Wally?”. Isso me incomodava. E muito. Até que uma amiga me fez olhar para as músicas da Lorena sob uma outra perspectiva: estratégia! Segundo minha amiga a ausência do nome de Deus nas letras é uma forma de atrair todo tipo de pessoas à audição. Mesmo que não cite o nome, as canções revelam Seu caráter, Seus propósitos, Sua moral. Isso é uma alternativa de uma cultura (gospel? cristã?) que usa o nome de Deus de uma maneira muito leviana.

Teoricamente, é muito mais eficaz falar sobre Deus sem dizer seu nome em um mundo em que o uso do Seu nome tem sido mal utilizado. Essa estratégia por acaso foi usada pelo próprio Deus em duas situações: uma com Moisés na sarça ardente quando Ele se revelou como “Eu sou o que sou”. E a outra foi acontecendo aos poucoos tendo 1929 como sua culminância. Um projeto a longo prazo.

Minha imaginação é limitada. A de Deus não.

Sabemos lidar com os rótulos que damos a Deus e ficamos surpreendidos quando encaramos um Deus sem rótulos. No desconcertamos. Isso aconteceu com C.S.Lewis.

Não, o Lewis não ouviu o cd da Lorena Chaves. Ele foi uma das pessoas a quem Deus se apresentou de um jeito pouco ortodoxo, primeiro Lewis foi conhecendo Deus, depois ele encontrou o nome. Para Lewis o nome de Deus numa canção seria repulsivo, daí ele precisou conhecer o caráter, o propósito, e a moral antes do nome (acho que C.S.Lewis gostaria das canções de Lorena Chaves).

O Lewis hoje é famosinho de facebook entre os cristãos. Muitos compartilham suas citações e viram pelo menos um dos filmes de Nárnia. Poucos conhecem sua trajetória e sua obra e como uma foi fundamental para a outra.

Desde cedo o irlandês travou uma luta com Deus. Em sua “autobiografia” Surpreendido pela Alegria (acabei de ler e estou em êxtase! leiam leiam!) Lewis nos conta sobre as habilidades criativas de Deus em se aproximar, e sua primeira estratégia foi colocar no rapaz inteligente,  curiosidade e alma sedenta. Sedenta de que? Eis a questão, sedenta da completude que Lewis chamou de Alegria, sobre isso ele escreveu posteriormente que:

“Eu descobri em mim mesmo desejos os quais nada nesta terra podem satisfazer, a única explicação lógica é que eu fui feito para um outro mundo.”

Eis um belo resumo da vida do Clive até 1930. Em Surpreendido pela Alegria somos apresentados a uma pessoa que teve uma infância em embate com um cristianismo institucionalizado que não lhe dava respostas e lhe tolhia vontades, resultando num distanciamento e posterior adoção do ateísmo como orientação de vida. Ele foi escolhendo caminhos que o afastariam da fé cristã irrevogavelmente, mas Deus criou caminhos dentro do caminho. A começar com uma alma extremamente inquieta diante das perplexidades da vida e com um cérebro apaixonado por livros e conhecimento.

No seu livro “O menino e seu cavalo” Clive nos apresenta um personagem com sentimentos parecidos com que teve na vida: Shasta, o menino sequestrado ainda criança em Nárnia que vive na Calomânia e sem saber do seu sequestro se sente estranho naquele lugar e família e vive com o sentimento de que pertence a outro lugar. Assim após alguns acontecimentos, Shasta sai em busca de Nárnia incentivado por um cavalo, e no caminho encontra Aslan. Shasta já ouviu falar de Aslan na Calomânia como alguém mal e perverso mas ele não sabe a forma de Aslan, e este se apresenta como um leão e salva sua vida. Para Shasta o leão sem nome é bom e cuidador. Aslan é mau segundo o que ele aprendeu na Calomânia. Só no final do livro Shasta consegue associar o bom leão do caminho ao nome Aslan. Com Lewis a trajetória foi semelhante. E Deus sem nomear-se revelou-se a Lewis como Alegria a partir de duas fontes fundamentais para o jovem: os livros e os amigos. Sobre as artimanhas de Deus Lewis alertou aos desavisados:

“O jovem que deseja se conservar ateu convicto jamais poderá ser suficientemente cauteloso quanto as suas leituras. As ciladas estão em toda parte – ‘Bíblias abertas, milhões de surpresas’, como diz Hebert, ‘finas malhas e armadilhas’. Deus é, se é que posso dizê-lo, muito inescrupuloso”.

Amando livros, Lewis começou a perceber que os melhores autores eram sempre cristãos. Ele se apegava aos escritos e questionava: porque alguém tão bom é cristão?! O ápice disso foi quando leu Chesterton. Ele ficou muito confuso ao pensar que alguém tão sagaz, tão lógico, tão coerente professasse a crença em Deus. Isso destoava do que ele conhecia de Deus a partir de sua experiência de fé institucionalizada na igreja da Irlanda. Para Lewis havia algo errado: como Chesterton, Johnson, George MacDonald, Milton, George Hebert e Spenser fossem escritores tão bons mas insistissem naquela esquisitice de serem cristãos. (Vocês entenderam a sacada de Deus de se infiltrar na literatura que era o grande amor de Deus para alcançá-lo? Eu estou perguntando pois o texto pode estar um pouco confuso..) Aquela foi a primeira grande brecha que Deus encontrou na mente de Lewis. Ele foi obrigado a admitir que ouviu aquele sussurro apesar da relutância.

Chesterton foi responsável por outro golpe em favor de Deus: provou de uma maneira lógica a veracidade histórica dos acontecimentos dos evangelhos para Lewis. Este ficou imensamente intrigado! É difícil cultivar por anos uma corrente filosófica e de repente constatar que suas influências e referências tem outra opinião. Deus cutucou Lewis no seu maior bem: a curiosidade e inteligência.

Ao mesmo tempo Deus se apresentava a partir dos melhores amigos. Com Arthur Greeves, Lewis conheceu a importância da simplicidade e contemplação, nesse exercício ele concluiu que a natureza não é um mero acaso e que o monismo deveria ser refutado, pois só uma mente criadora explicaria a complexidade da natureza. Mas quem era essa mente tão simples e tão complexa?

Depois Lewis viu seu melhor amigo Owen Barfield capitular a fé cristã. Isso o intrigou sobremaneira. Barfield era alguém sóbrio que não se deixava enganar. Quem era esse Deus que fez o amigo se render?

Lewis chegou num ponto do caminho em que todas as placas indicavam Deus. Toda a canção falava sobre Deus só não citava Seu nome. E Lewis apreciou aquela canção. Mas relutou em admiti-lo. Em Surpreendido pela Alegria ele compara sua relutância em conhecer a Deus como um jogo de xadrez. Deus, é claro, era melhor enxadrista. E a última peça usada por Deus foi Tolkien. Acho que vocês conhecem esse senhor. Ele escreveu alguns livros aí. Era cristão católico e se tornou um grande amigo de Lewis. A vida de Tolkien e sua fé intrigaram o ateu. E com Tolkien, Lewis constatou a verdade do evangelho.

Tolkien usou um recurso pouco ortodoxo. Ele disse a Lewis que o evangelho é um mito que de fato aconteceu. Isso desestruturou Lewis, pelo simples fato de que ele ADORAVA os mitos (para entender do que se trata o conceito de mito aqui sugiro que vocês leiam um texto de Tolkien que se acha fácil em ebook chamado Sobre contos de fadas, está num livro chamado Árvore e Folha. A explicação de Tolkien no livro sobre o evangelho como mito convenceu a Lewis e convence a qualquer um de nós).

Relutantemente Lewis se converteu ao evangelho convencido de que “o mito se tornou fato, a Palavra carne, Deus, Homem”. Deus usou a lógica e as paixões de Lewis para atrai-lo. Com certeza não reproduzimos esses métodos na nossa ânsia de evangelização. Mas o fato é: Deus queria atrair um bom leitor, então Ele precisou usar as entrelinhas. As vezes a gente nem percebe mas nossas ações, livros e canções ainda que aparentemente não declarem de modo objetivo a Deus, são importantes entrelinhas que Ele se utiliza para se aproximar das pessoas.

Na sua autobiografia, Lewis registra que procurava a alegria sem admitir que aos poucos a Alegria se revelava nos livros e amigos (e o acompanhava a muito tempo) e isso o surpreendeu. A Brooke fez uma canção sobre o Lewis. Acho que sua autobiografia merecia uma canção sobre um Deus que se revela nas entrelinhas das relações, dos livros, das canções. Um Deus que sabe, deixa assim ficar subtendido. Fica a dica Ló Chaves.

Sobre o Autor

uma canção que o Bilbo não concluiu.

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